domingo, 6 de septiembre de 2009

El "rastro" de Joao Moreira,primer capoeira conocido(1770)

A reserva de funções superiores para os crioulos, e a conseqüente exclusão de africanos do acesso a elas, parecia um princípio firmemente arraigado. Porém, num exame atento, se nota que aquela tradição, como quaisquer outras, estava sendo inventada ao sabor dos acontecimentos daqueles anos — dentre os quais destaca-se o volumoso desembarque de africanos ocidentais no porto de Salvador verificado a partir de meados do século XVIII (Oliveira 1997). Na verdade, a exclusão de africanos dos postos superiores da hierarquia dos terços eraexpediente recente,posto que no contexto de criação daquela instituição na América portuguesa — as guerras luso-holandesas — ardas e “minas” lutavam lado a lado com crioulos e “angolas”. Nessa direção, escreveu Henrique Dias acerca de sua tropa aos flamengos, numa carta de 1648: “De quatro nações se compõe este regimento: Minas, Ardas, Angolas e Crioulos; estes são tão malcriados que não temem nem devem; os Minas tão bravos que onde não podem chegar com o braço, chegam com o nome; os Ardas tão fogosos, que tudo querem cortar de um só golpe; e os Angolas tão robustos, que nenhumtrabalho os cansa”. (Costa 1983: IV, 229).

Dias comandou um batalhão de soldados negros com a ajuda do Capitão dos pretos “Minas”, Antônio Mina. Este participou da batalha, conforme um relato contemporâneo, “com seus soldados, os mais dos quais haviam sido escravos do governador João Fernandes Vieira, e lhes havia dado alforria, porque o ajudaram commuito esforço na batalha do monte das Tabocas” (Costa 1882: 414). Vê-se, pois, que não existia qualquer princípio de exclusão de africanos ocidentais quando tais corpos foram criados. 7
Nas décadas finais do século XVIII, à medida que se estreitavam os vínculos interpessoais no mundo atlântico e que informações se disseminavam mais vertiginosamente, negros dos terços de “pardos” e “pretos” utilizavam suas redes extensas intercapitanias para trocarem notícias e documentos escritos (Silva 2001). Uma vez que muitos deles eram homens de cor alfabetizados, liam e discutiam livros e textos legais, e conversavam em vilas e cidades acerca deles, bem como os trocavam em meio a encomendas e expedições de materiais diversos. Exemplo disto é que em novembro de 1773 soube-se que na Paraíba corria o boato de que a lei de 16 de janeiro daquele ano — a qual libertara os ventres cativos de Portugal e Algarves — também se estendia ao Brasil.
É notável a importância contemporânea das questões atinentes ao confronto entre “passado africano” e “experiência afro-americana”. Um texto esclarecedor acerca desse debate é o de Price (2003). A perspectiva que ressalta o peso do “passado africano” ganhou alento com a publicação, entre outros trabalhos, de Thornton (2004). Aqui, sublinha-se a experiência afro-americana, para além da plantation e da escravidão, como fator explicativo central dos modos de pensar e de agir dos negros em geral — fossem estes livres, libertos ou cativos — na América portuguesa. 10

Assim, da Bahia ao Recife, do Recife à Paraíba, e da Paraíba ao sertão, as notícias que então circulavam no mundo atlântico ensejavam a ampliação das redes já formadas por membros de terços militares das aparentemente isoladas capitanias da América portuguesa.

Em primeiro lugar, considerar-se-á os projetos formulados pelo reformismo ilustrado na segunda metade do século XVIII e inícios do século seguinte, a exemplo do elaborado pelo marquês do Lavradio, o qual consistia em suprimir a oficialidade de cor e subordinar os batalhões negros a legiões mais amplas, comandadas por oficiais brancos regressos das tropas de Ordenanças. Tais projetos foram encaminhados em Pernambuco a partir do governo de José César de Meneses (1774-1787), o qual evocara, em abril de 1782, exemplos de outras partes do império para fundamentar sua proposta: “bem se vê que na Índia, onde servi posto de 7 anos, as Companhias de Sipais, cujo exercício é o mesmo que dos Henriques, que correspondem aos Pardos e Pretos nesta capitania, sempre os seus Capitães são brancos e tirados da Tropa”. Ademais, lembrava ainda Meneses do exemplo baseado no que “louvavelmente ordenou no Rio de Janeiro o Marquês de Lavradio, pois meconsta fizera os oficiais maiores dos Corpos em queestão homens brancos e de cuja honra se podem fiar”.26
Nessa mesma linha atuou o governador ilustrado Caetano Pinto de Miranda Montenegro (1804-1817), segundo o qual não se deveria excluir sumariamente aqueles corpos, “tirando toda a esperança de acesso” aos “pretos” e “pardos”, posto que este “era um daqueles remédios violentos, e irritantes, que produzem muitas vezes efeitos contrários”. Seria mais conveniente, no seu entendimento, reduzir a dois os terços do Recife e incorporar os demais corpos da província nas milícias dos brancos: “
Em segundo lugar, sublinhe-se que no interior das lutas políticas ocorridas nas primeiras décadas do século XIX vários foram os projetos formulados em torno dos regimentos de “pretos” e “pardos”. Na verdade, o espírito de projetos desse tipo reside na questão da mobilização desses segmentos — que, como se viu, constituía parte majoritária da população —, por parte de diferentes grupos políticos. Assim, tal aspecto ganha relevância surpreendente ao se considerar que as forças políticas em confronto contra o Reino Unido em 1817, contra o governador Rego Barreto em 1821 — quando do conflito inspirado pelo movimento constitucional que levou ao poder a primeira Junta de Governo da província —, bem como contra o Império, quando da Confederação do Equador, em1824, precisaram da participação maciça de milícias recrutadas entre a população de cor para fazer valer seus interesses. Afinal, contar com força armada formada por gente local constituía um dos pilares fundamentais dos projetos políticos então em construção em torno do formato do Reino Unido e, depois, do Estado independente.
Nessa direção, leve-se em conta o longo e detalhado projeto, elaborado à luz dos acontecimentos da revolução de 1817, pelo último governador colonial da província de Pernambuco, Luís do Rego Barreto (1817-1821). A 20 de novembro de 1818, este informa a Tomás Antônio Vila Nova Portugal da “organização a que estou procedendo dos Corpos de Milícias segundo o Novo Plano”.
28
Neste, seguia-se à risca as sugestões anteriores, pois se reduzia drasticamente os efetivos e o número dos antigos terços de “pretos” e “pardos” existentes no Recife, bem como os transformava em legiões sob controle de oficiais brancos. Assim, os corpos militares das gentes de cor perdiam sua organização em forma de “terço” e passavam a se estruturar em forma de legiões. Isto equivalia mudar o comando dos corpos, que na antiga forma cabia ao mestre de campo, ou coronel, e ao sargento-mor (Salgado 1985: 98). Contudo, este tipo de estruturação dos corpos constituídos pelos negros já havia sido implementado, pelo menos aparentemente, ao longo do breve governo .

Uma testemunha ocular desses fatos, o mais tarde Comendador Antônio Joaquim de Melo, recordava-se que o governo constitucional de Pires Ferreira criou no Recife duas companhias de homens pretos comandadas por um seu igual; duas de homens pardos, também comandadas por um sargento-mor pardo, e duas em Goiana, de homens brancos, comandadas pelo Capitão João de Barros Falcão de Lacerda, vencendo todos soldos. Estas companhias se tornaram completas, armadas e efetivas em tempo da Junta que sucedeu a esta de que nos ocupamos, e denominavam se a dos homens brancos, Intrépidos, a dos homens pardos de Bravos da Pátria, e
ao dos homens pretos de Monta-brechas. Napoleão teve a sua bateria dos homens de sem medo, e as Brigadas a Terribil, e a Impetuosa, por ele assim denominada. (Melo 1973, I: 59). Como se percebe, as tropas de “pretos” e “pardos” eram mais numerosas que as dos “brancos” e, além disso, foram estruturadas em formato profissional, pois, estes “três corpos”, informa Pereira da Costa (1983, VII: 66), foram “devidamente armados, fardados e disciplinados, vencendo soldo”. Aparentemente, conforme Joaquim de Melo, sua criação havia sido inspirada pelas brigadas napoleônicas, mas parece claro que se ofereceu aos “pretos” e “pardos” naquelas circunstâncias vantagens e compensações tipicamente barrocas. Ou seja, para atrair os homens de cor, tiveram os governos constitucionais que manter a tradição colonial da norma crioula, conforme a qual seus comandantes eram homens de cor. Porém, havia uma vantagem em relação aos tempos coloniais: todos, do alto ao baixo da hierarquia, eram remunerados, e não apenas os oficiais, como ocorria outrora. Ademais, esta estruturação permaneceu existindo mesmo após a queda do governo de Pires Ferreira: a junta subseqüente, a dos Matutos, como já foi observado, carecia tanto ou mais dos militares “pretos” e “pardos” quanto a que lhe antecedera. Aliás, apenas
durante o governo dos Matutos, conforme o Comendador Antônio Joaquim de Melo, aquelas “companhias se tornaram completas, armadas e efetivas”. Assim, não importava se o grupo de Pires Ferreira era mais constitucional, ou mais resistente ao projeto do Rio de Janeiro, que o grupo liderado pelos irmãos Cavalcanti e pelo morgado do Cabo, Francisco Paes Barreto: todos careciam ter os soldados de cor ao seu lado. Esse quadro, como sugeriu Hendrik Kraay (2003) em relação ao caso da Bahia, mudará radicalmente após 1831, ano da abdicação de D. Pedro I e da criação da Guarda Nacional. Daí em diante, inicia-se o processo de nacionalização do Estado — o qual, até então, revelava-se mais senhorial que propriamente nacional.
http://people.ufpr.br/~lgeraldo/PROJETO%20DE%20PESQUISA%202005%202.pdf
2ºMARQUES DO LAVRADIO:http://pt.wikipedia.org/wiki/Luís_de_Almeida_Portugal_Soares_de_Alarcão_d

No hay comentarios:

Publicar un comentario